Marinella Castro
Publicação: 14/08/2016 04:00
O telefone chama, mas antes mesmo de dizer “alô”, usuários de todo o mundo já sabem quem está do outro lado da linha. A identificação do número na telinha do celular ou do telefone fixo foi uma evolução transformadora para a tecnologia, possível desde a invenção do Bina. O aplicativo que identifica chamadas foi patenteado pelo inventor de Belo Horizonte Nélio José Nicolai e é usado por cerca de 7 bilhões de aparelhos no Brasil e ao redor do mundo. Nesta reportagem, o Estado de Minas conta a história do inventor, que há 18 anos enfrenta uma batalha judicial bilionária contra gigantes do setor para provar que criou o identificador de chamadas, tecnologia patenteada por ele em 1992, no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Apesar da descoberta, ele nunca teve a “paternidade” reconhecida pelas empresas multinacionais, que usam o serviço e chegam a cobrar de seus clientes valor estimado em US$ 5 mensais.
A briga para provar que o Bina é brasileiro começou em 1998. Em abril deste ano, o inventor Nélio Nicolai completou 76 anos e não esconde a expectativa de encerrar o processo como vencedor. Em sua casa, em Brasília, ele recebeu o EM e garantiu: “Não estou brigando só pelo dinheiro, mas pelo direito que tenho, não vou me entregar tão cedo.” A batalha de Nélio Nicolai é cara, longa e de tamanho desproporcional, como uma espécie de disputa entre formiga e elefante. Levar adiante um processo demorado e complexo requer recursos altos, que geralmente pequenos inventores e microempresas não dispõem, o que segundo especialistas do setor, faz com que centenas de patentes não tenham o reconhecimento devido, uma realidade que não é nova e remonta desde a época da invenção do próprio telefone. O tempo de espera no Brasil também desafia a persistência. Os processos podem durar décadas.
Nélio já ganhou ações contra as empresas CTBC, Sercomtel, Claro (América Móvil) e Vivo, do grupo Telefónica, em primeira instância, comemorou um resultado positivo em segunda instância e já chegou a fazer acordo com a Claro. Se os processos seguirem adiante, as empresas podem ser condenadas a pagar royalties ao Brasil pelo uso do Bina, cuja cifras giram em torno de muitos bilhões. Este ano, mais um capítulo decisivo desta briga pelo reconhecimento da patente está em andamento e uma eventual vitória, transformaria Nélio Nicolai em um dos bilionários mais ricos do mundo.
O último movimento da batalha ocorreu em 30 de junho deste ano. O Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) decidiu, em segunda instância, voltar o processo que Nélio move contra a Vivo para sua fase inicial. O tribunal reconheceu recurso da operadora que pediu uma nova perícia técnica. “Nesse processo, a expectativa era de que o Judiciário decidisse se o valor devido deveria ou não ser depositado em juízo. A perícia técnica já foi homologada, feita pelo Tribunal Federal do Rio de Janeiro em 2014, conforme determina a lei, e não há motivos para uma nova perícia. Vamos tentar reverter essa decisão.”
PROPOSTAS E ACORDOS
Em 2006, a Justiça arbitrou indenização de R$ 550 milhões no caso da ação movida contra a Americel, subsidiária da Claro, mas o Superior Tribunal de Justiça não bateu o martelo. Nesse caso, o inventor fez acordo com a empresa antes da decisão final da corte. Por uma cláusula de confidencialidade, ele não revela o valor da poupuda indenização, mas conta que estava vivendo um momento muito difícil, com contas atrasadas, nome nos serviços de proteção ao crédito e enfrentando ação de despejo, isso tudo enquanto aguardava por mais de cinco anos uma decisão do STJ. Diante da tormenta, decidiu negociar um valor bem abaixo.
Desempregado desde 1986, quando saiu da Telebrasília, empresa da antiga Telebrás, Nélio conta que a proposta da Claro chegou quando ele vivia com a corda no pescoço. “E agora Nélio, depois desse acordo, o senhor ficou mesmo rico, milionário?”, pergunta a repórter. “Não”, diz ele convicto. Entre Imposto de Renda, cotas de indenização e acordos fechados em tempos de penúria financeira, ele diz que, de tudo, sobrou uma excelente casa no Lago Norte, em Brasília. Para sair do sufoco, ele vende por R$ 100 mil cotas de uma eventual indenização contra as operadoras de telefonia.
Nélio Nicolai já recebeu propostas de empresas multinacionais para sair do país e negociar lá fora os direitos por sua invenção, mas tem resistido. “Quero ficar no Brasil. O reconhecimento intelectual já tenho, agora me falta o material.” No país, ele também tem sido procurado por empresas de grande porte para fechar acordos, mas afirma que não vai desistir dos royalties, valores cobrados pelo uso de uma patente. O percurso do inventor tem sido longo, mas ele não se mostra desanimado. “As empresas costumam conseguir uma liminar em 72 horas, eu já levei quatro anos para conseguir o mesmo feito no Judiciário.”
Em 1997, Nélio assinou acordo com empresas internacionais para transferência da tecnologia. “Transferi a tecnologia e quando fui cobrar os royalties eles me mandaram procurar a Justiça. Quem sabe seus bisnetos vem alguma coisa?”, ironizaram. Para Nélio Nicolai, o Brasil deixa de faturar bilhões de reais por mês com os royalties por não proteger as grandes invenções feitas por brasileiros e usadas por empresas nacionais e internacionais. “Quero o reconhecimento do meu direito, mostrar que as ideias inovadoras têm valor. Mais do que eu, o país, que está vivendo uma calamidade financeira, vai arrecadar em impostos, cobrando das empresas multinacionais pelo uso do Bina.” Na opinião do inventor a criatividade do país não é protegida e para muitos inventos importantes quem lucra são estrangeiros que registram as ideias.
FATURA A cobrança de royalties por celular ultrapassa os bilhões e colocaria Nicolai na lista dos homens mais ricos do mundo, ao lado de personalidades como o mexicano Carlos Slim, dono da Claro. O Brasil tem 258 milhões de celulares. O identificador de chamadas custa cerca de US$ 5 por mês e os royalties pleiteados seriam de aproximadamente US$ 1 por aparelho. “Parte disso fica com o governo brasileiro.” Para Nélio, o governo brasileiro tem se esforçado para provar que ele não é o inventor do Bina. “O mundo me reconhece, mas o Brasil diz que não sou o inventor, apesar de todas as provas e da patente do INPI.”
A operadora Vivo disse que não comenta processos judiciais, mas afirmou que a tecnologia usada por ela para identificar chamadas não tem relação técnica com a patente de Nicolai. Sobre a Vivo, Nicolai mostra o relatório da empresa à Comissão de Valores Mobiliários dos EUA, onde, em 2004, a companhia ressaltou que corria risco de sofrer decisão desfavorável no caso do Bina. Os valores, segundo o relatórios, não haviam sido estimados.